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31/05/2010

Europa em Decadência num Mundo em Ascenção


«Em 2010, podemos dizer que a Europa não tem qualquer centralidade na política mundial. Vivemos literalmente num mundo sem europeus. Como já se tornou evidente até para o europeísta mais empedernido, a Europa está a perder poder na política mundial, ou seja, encontra-se em declínio relativo perante os novos poderes (China, Índia, Brasil, Coreia do Sul, etc.). A Europa pesa cada vez menos na demografia global e na economia mundial. Além disso, a capacidade militar europeia também pesa cada vez menos no xadrez geopolítico. Este declínio relativo no campo do poder já seria, per se, um enorme problema para a Europa. Mas, atenção, esta perda de poder puro e duro representa apenas metade do problema que os europeus têm pela frente. De facto, a Europa não está em declínio apenas no campo do poder. A Europa também está em declínio no campo da legitimidade e das narrativas normativas, e este facto qualitativo é uma evidência no resto do mundo, embora seja um tabu na Europa. Os europeus ainda julgam que têm uma legitimidade especial dentro da comunidade internacional, mas, na verdade, o início do século XXI marca o ponto mais baixo da legitimidade da Europa perante o resto do mundo.

A elite europeia recusa aceitar a ideia de que a Europa já não determina a moral e as regras da comunidade internacional. Logo a seguir à Cimeira de Copenhaga, muitos responsáveis europeus criticaram com o seu típico moralismo a China e os EUA pelo fracasso da cimeira. Esta atitude é a pior que os europeus podiam ter. Em vez de encarar de frente o facto político (o declínio material e normativo da Europa), a elite europeia prefere diabolizar os EUA e a China. Aliás, este é um esquema mental comum na Europa.

A elite europeia não tem a humildade suficiente para se confrontar com a realidade. Entre a ilusão da humanidade unificada no estirador eurocêntrico e a realidade pós-atlântica, a elite europeia escolhe sempre a primeira. A elite europeia prefere estar errada com Habermas do que estar certa com Aron. Os antigos tinham um nome para este fenómeno: decadência


Henrique Raposo, "Um Mundo sem Europeus", Jornal i, 24-V-010

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